Imagine a cena clássica de ficção científica de um cérebro flutuando em um frasco. Embora ainda não exista nada tão avançado, a ciência está caminhando por um caminho que lembra esse cenário. Pesquisadores vêm desenvolvendo organoides cerebrais — pequenos conjuntos de tecido neural cultivados a partir de células-tronco — que, embora não pensem nem possuam memória, estão cada vez mais sofisticados.

Esses “minicérebros” não têm consciência ou sensações conhecidas, mas o avanço rápido da tecnologia acendeu um debate urgente: e se um dia eles passarem a sentir dor ou prazer? Deveriam, então, receber proteção ética? Até agora, a posição predominante entre cientistas tem sido a de que organoides não têm consciência.

A própria Sociedade Internacional para Pesquisa com Células-Tronco (ISSCR) afirma que, no estágio atual, não existe evidência de que esses modelos sejam capazes de perceber dor ou de ter experiências conscientes, por isso não exigem supervisão ética especial. No entanto, a entidade reconhece que essa avaliação pode mudar conforme os modelos fiquem mais complexos e se aproximem do funcionamento de um cérebro humano real.

Um artigo recente liderado por Christopher Wood, publicado em revistas científicas especializadas, defende que a ciência pode estar subestimando o potencial desses organoides. O grupo argumenta que, se há qualquer possibilidade de que eles desenvolvam algum tipo de sensação ou interesse próprio, é preciso antecipar a discussão ética para evitar dilemas futuros. Afinal, caso um dia adquiram alguma forma de consciência, ignorar seu bem-estar seria um problema moral de primeira grandeza.

Definir consciência, porém, não é simples nem mesmo entre humanos — basta lembrar os desafios que médicos enfrentam para avaliar pacientes em coma usando apenas sinais elétricos cerebrais. Detectar algo parecido em estruturas do tamanho de uma ervilha é ainda mais difícil. Mesmo assim, os organoides estão ficando cada vez mais complexos: alguns já têm vasos sanguíneos rudimentares, o que ajuda no crescimento e maturação do tecido; outros incorporam microglias, células de defesa que melhoram o desenvolvimento neural; e há ainda os chamados “assembloids”, em que diferentes organoides são fundidos para formar redes mais complexas.

Especialistas discordam sobre a possibilidade de esses minicérebros sentirem dor, já que eles não têm órgãos sensoriais como olhos, ouvidos ou pele. No entanto, alguns lembram que a dor pode surgir de representações internas — como no caso de pessoas com membros amputados que sentem dor fantasma. Se os organoides desenvolverem circuitos neurais equivalentes, algo semelhante poderia, em teoria, acontecer. Outros cientistas, porém, acreditam que isso exigiria memória e uma noção de corpo, capacidades que esses modelos ainda não demonstraram.

Apesar das incertezas, os organoides já têm grande utilidade prática: permitem estudar doenças como autismo, epilepsia e Alzheimer, além de possibilitar testes de medicamentos de maneira mais precisa e menos invasiva que os métodos tradicionais. O problema é que, à medida que se tornam mais complexos, aumenta também o risco de que surjam propriedades inesperadas — como algum tipo de sensação. Por isso, muitos especialistas defendem que as regras éticas sejam atualizadas desde já, envolvendo comitês multidisciplinares com cientistas, filósofos, juristas e bioeticistas.