Fazer música é natural? Saiba por que todas as culturas, sem exceção, criaram música
Ao organizar o som, a humanidade aprendeu a se comunicar com algo ainda mais profundo do que palavras: a própria estrutura sensível da mente.

A música, presente em todas as culturas conhecidas, é a arte de organizar sons e silêncios ao longo do tempo. Mas por que ela nos provoca tanto prazer? O que há de especial em combinar ritmos, frequências e pausas de modo estruturado? Cientistas e estudiosos da cultura têm buscado entender isso a partir de duas grandes abordagens: uma evolutiva e outra neurológica.
De um ponto de vista evolutivo, há quem defenda que a música desempenhou papéis fundamentais na sobrevivência dos nossos antepassados. Segundo essa linha de pensamento, habilidades rítmicas e melódicas poderiam ter favorecido a coesão de grupos humanos, melhorado a comunicação e até ajudado na reprodução.
Pesquisadores sugerem, por exemplo, que caminhar em grupo durante caçadas exigia certo sincronismo sonoro para evitar distrações e perigos — e esse sincronismo seria facilitado por um senso inato de ritmo. Ritmo, aliás, que também tornaria as movimentações mais eficientes energeticamente, mesmo em caminhadas solitárias, como se tivéssemos um metrônomo embutido no cérebro.
Outro possível uso ancestral da música estaria relacionado ao cuidado com os bebês. Um estudo publicado em 2020 mostrou que canções de ninar de diversas culturas têm um efeito calmante sobre bebês de até um ano, mesmo que eles nunca tenham escutado aquelas melodias antes. Isso sugere que algumas características da música — como vozes suaves, ritmo ternário e ausência de mudanças bruscas de melodia — podem ativar reações biológicas universais, ligadas à sensação de segurança e conforto.
Além de acalmar, a música também ajudaria a memorizar. Populações da Antiguidade usavam rima e métrica para conservar oralmente narrativas longas, como a “Ilíada”. A regularidade, de fato, é uma aliada da cognição. Quando ouvimos músicas com padrões previsíveis, nosso cérebro trabalha com mais facilidade, reduzindo o esforço necessário para decodificar o som.
Poemas modernos e composições como jazz fusion ou rock progressivo quebram esses padrões de propósito, criando tensão e surpresa. Essa quebra nos força a prestar mais atenção e buscar sentido no inesperado, o que também é prazeroso, ainda que por outros caminhos neurológicos.
Mas há uma segunda abordagem que explica nosso fascínio pela música como consequência — e não causa — da evolução. Essa perspectiva considera que a sensibilidade musical pode ser apenas um efeito colateral das características biológicas do nosso sistema auditivo. Intervalos musicais agradáveis, por exemplo, são aqueles cujas frequências se relacionam por razões matemáticas simples.
Essa percepção de consonância e dissonância parece ter raízes universais. Pesquisas sugerem que crianças de diferentes culturas reagem de maneira semelhante a determinados intervalos musicais, o que fortalece a hipótese de uma base biológica compartilhada. Ao mesmo tempo, cada cultura desenvolve maneiras próprias de lidar com essas sensações. Enquanto a música ocidental valoriza muito a harmonia consonante, tradições como a indiana ou a árabe abraçam dissonâncias e microtons com naturalidade.